sexta-feira, 22 de março de 2013

Mude

"No passado era normal que um jovem escolhesse uma carreira e permanecesse nela até morrer, ainda que ela não lhe desse felicidade, tal como acontecia também nos casamentos. Para sempre, até que a morte os separe. Uma coisa boa dos tempos em que vivemos, a despeito de todas as duas confusões, é que as pessoas descobriram que é possível mudar a direção do voo. Nada as obriga a voar sempre na mesma direção até o fim. Eu mudei minhas direções várias vezes e não me arrependo. Meu amigo Jether era um próspero dentista na cidade do Rio de Janeiro. Estava ficando rico. Riqueza dá segurança. Segurança dá tranquilidade à família. Mas, enquanto ele olhava para o mundo delimitado pelos dentes de seus clientes, a sua alma voava por outros mundos! E foi assim que, num belo dia, ele resolveu voar. Chegou em casa e comunicou à esposa Lucília: "Meu bem, vou vender meu consultório". E assim, com mais de quarenta anos, voltou para estaca zero e foi se preparar para o vestibular... E ele seguiu um caminho feliz! Está com 82 anos, tem cara de sessenta, disposição de quarenta e leveza de criança! Cada profissão delimita um mundo: há o mundo dos advogados, dos dentistas, dos engenheiros, dos palhaços, do teatro. O jovem estudante do filme Sociedade dos poetas mortos sonhava em ser artista de teatro. Mas seu pai havia mirado seu arco para medicina... Dezoito ou dezenove anos é muito cedo para definir o que vai fazer pelo resto da vida. Esse é um tempo de procuras, indefinições, sonhos confusos. É normal que ao meio do curso universitário, o jovem descubra que tomou o trem errado e se disponha a saltar na próxima estação. É angústia para os pais. Claro, porque o que eles mais desejam é ver o filho formado, empregado, ganhando dinheiro. Isso lhes daria liberdade para viver e permissão para morrer... Mas não seria terrível para ele - ou ela - se, só para não "perder tempo", "só para não voltar ao início" continuasse até o fim? Se não quero ir para as montanhas, se quero ir para praia, por que continuar a dirigir o carro pela estrada que vai para as montanhas? Pais, não fiquem angustiados. Sua angústia é inútil. E nem fiquem com a ilusão de que o diploma dará emprego ao filho. Não dará. Assim, é melhor ir devagar, seguindo a direção que o coração manda. O difícil, para os pais, será se o filho, no último ano de direito, lhes comunicar: "Descobri que não gosto de direito. Vou estudar para ser palhaço!". Aí posso imaginar o embaraço do pai e da mãe quando, em meio a uma reunião social, quando se fala sobre filhos, alguém lhe dirija a palavra e diga: "Meu filho está no Itamarati. Vai ser dilomata. E o seu?". Resposta: "O nosso está no circo. Vai ser palhaço...". Cá entre nós, não sei qual profissão dá mais felicidade, se a de diplomata ou se a de palhaço..."

Rubem Alves em Ostra feliz não faz pérola. 

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